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Card em degrade rosa, lilas, verde e amarelo. Na borda superior as logomarcas do Fundo Elas+ e Histórias Contadas |
Abaixo o texto: Inclusivass no Jornal Correio do Povo. Em destaque a capa do jornal com uma mulher de costas, segurando um cartaz e na borda inferior o texto: Ameaça Constante. Ao lado foto de uma mulher cadeirante.
Matéria: Ameaça constante.
POR PAULA MAIA
O Jornal Correio do Povo trouxe no último domingo uma edição especial para falar sobre os crimes de FEMINICiDIOS com a abordagem às Sobreviventes de Feminicídio e o Projeto Histórias Contadas.
𝐕í𝐭𝐢𝐦𝐚 𝐝𝐞 𝐭𝐞𝐧𝐭𝐚𝐭𝐢𝐯𝐚 𝐝𝐞 𝐟𝐞𝐦𝐢𝐧𝐢𝐜í𝐝𝐢𝐨, 𝐂𝐚𝐫𝐨𝐥𝐢𝐧𝐚 𝐒𝐚𝐧𝐭𝐨𝐬 𝐜𝐫𝐢𝐨𝐮 𝐮𝐦 𝐦𝐨𝐯𝐢𝐦𝐞𝐧𝐭𝐨 𝐝𝐞𝐝𝐢𝐜𝐚𝐝𝐨 à 𝐝𝐞𝐟𝐞𝐬𝐚 𝐝𝐨𝐬 𝐝𝐢𝐫𝐞𝐢𝐭𝐨𝐬 𝐡𝐮𝐦𝐚𝐧𝐨𝐬 𝐝𝐚𝐬
𝐦𝐮𝐥𝐡𝐞𝐫𝐞𝐬 𝐞 𝐦𝐞𝐧𝐢𝐧𝐚𝐬 𝐜𝐨𝐦 𝐝𝐞𝐟𝐢𝐜𝐢ê𝐧𝐜𝐢𝐚.
𝙋𝙧𝙤𝙟𝙚𝙩𝙤 𝙢𝙞𝙧𝙖 𝙖𝙢𝙥𝙡𝙞𝙖𝙧 𝙤 𝙙𝙚𝙗𝙖𝙩𝙚.
Como outra forma de começar a suprir a escassez de informações e estatísticas, Carolina criou o projeto “𝙃𝙞𝙨𝙩ó𝙧𝙞𝙖𝙨 𝘾𝙤𝙣𝙩𝙖𝙙𝙖𝙨”, com o apoio de uma organização sediada no Rio de Janeiro. Com o projeto, ela pretende ampliar o debate sobre as sobreviventes de feminicídio e incluí-las nas políticas públicas. Com uma escuta acolhedora, o grupo tem como meta mapear movimentos de atendimento e identificar as falhas do Estado sobre as vítimas. O livro “Histórias Contadas” é produzido pelas integrantes do movimento Inclusivass. Nesta primeira edição, quatro sobreviventes, vítimas de violência doméstica, contam em vídeo as suas vivências: como tudo começou, como os casos violentos aconteceram, o sofrimento e as sequelas que carregam até hoje “𝐄𝐮 𝐞𝐫𝐚 𝐭𝐨𝐭𝐚𝐥𝐦𝐞𝐧𝐭𝐞 𝐜𝐨𝐧𝐭𝐫𝐨𝐥𝐚𝐝𝐚 𝐞 𝐯𝐢𝐠𝐢𝐚𝐝𝐚. 𝐍𝐮𝐧𝐜𝐚 𝐟𝐮𝐢 𝐮𝐦𝐚 𝐩𝐞𝐬𝐬𝐨𝐚 𝐜𝐨𝐧𝐭𝐫𝐨𝐥𝐚𝐝𝐚 𝐩𝐨𝐫 𝐧𝐢𝐧𝐠𝐮é𝐦. 𝐒𝐞𝐦𝐩𝐫𝐞 𝐟𝐮𝐢 𝐦𝐮𝐢𝐭𝐨 𝐢𝐧𝐝𝐞𝐩𝐞𝐧𝐝𝐞𝐧𝐭𝐞, 𝐝𝐞 𝐭𝐫𝐚𝐛𝐚𝐥𝐡𝐚𝐫 𝐦𝐮𝐢𝐭𝐨 𝐜𝐞𝐝𝐨.
Por causa do controle, eu não conseguia ser eu”, diz Carolina.
Ela afirma que falar da sua história sempre foi um processo tranquilo, mesmo com as dificuldades em voltar ao tema. É 𝐨 𝐪𝐮𝐞 𝐞𝐥𝐚 𝐯𝐞𝐦 𝐟𝐚𝐳𝐞𝐧𝐝𝐨 𝐡á 𝐪𝐮𝐚𝐬𝐞 𝐮𝐦𝐚 𝐝é𝐜𝐚𝐝𝐚.
A ativista considera importante a sua identificação com as vítimas e o fato de compartilhar a vivência de situações de feminicídio, para poder impactar na vida de mais mulheres e na construção de uma nova realidade. Por isso, afirma que o movimento criado por ela tornou-se um canal direto para acolhimento, conselhos e denúncias. “Hoje, após 22 anos, consigo entender que sou uma sobrevivente e o quanto isso impacta na minha vida. Quando eu falo das minhas dificuldades, falo das mulheres com deficiência”, explica Carolina.
Sou uma sobrevivente. 𝐅𝐢𝐳 𝐝𝐚 𝐦𝐢𝐧𝐡𝐚 𝐡𝐢𝐬𝐭ó𝐫𝐢𝐚 𝐝𝐞 𝐯𝐢𝐝𝐚 𝐮𝐦𝐚 𝐥𝐮𝐭𝐚 𝐩𝐞𝐥𝐨 𝐟𝐢𝐦 𝐝𝐚 𝐯𝐢𝐨𝐥ê𝐧𝐜𝐢𝐚 𝐜𝐨𝐧𝐭𝐫𝐚 𝐭𝐨𝐝𝐚𝐬 𝐚𝐬 𝐦𝐮𝐥𝐡𝐞𝐫𝐞𝐬 𝐞 𝐦𝐞𝐧𝐢𝐧𝐚𝐬, 𝐞𝐬𝐩𝐞𝐜𝐢𝐚𝐥𝐦𝐞𝐧𝐭𝐞 𝐚𝐬 𝐜𝐨𝐦 𝐝𝐞𝐟𝐢𝐜𝐢ê𝐧𝐜𝐢𝐚.
𝑫𝒆𝒑𝒐𝒊𝒔 𝒅𝒐 𝒎𝒆𝒅𝒐, 𝒂 𝒉𝒐𝒓𝒂 𝒅𝒂 𝒓𝒆𝒄𝒐𝒏𝒔𝒕𝒓𝒖çã𝒐.
A trajetória de uma sobrevivente em uma época em que a Lei Maria da Penha não existia era dolorosa e marcada pela impunidade. O tempo passou, mas realidade mostra que os desafios seguem angustiantes. Mesmo com avanços significativos nas políticas públicas de combate ao feminicídio, a carência de ações que proporcionem assistência adequada é cada vez mais evidente, o que revela uma demanda urgente por ações concretas que ofereçam suporte efetivo às vítimas.
Escapar ilesa de uma tentativa de feminicídio vai muito além de um ato de sorte ou uma oportunidade para recomeçar. A violência sofrida pelas mulheres resulta em traumas, dores e transformações que afetam profundamente suas vidas. Existem muitos obstáculos a serem enfrentados, mas para quem fica com alguma deficiência permanente devido à violência doméstica, a realidade se torna ainda mais difícil. Sua segunda chance não é tão simples como pode parecer à primeira vista.
Embora possam sentir gratidão pela sobrevivência, o medo, a insegurança e as injustiças são companheiros constantes no dia a dia da jornada rumo de reconstrução. Um exemplo inspirador de superação é Carolina Santos, ou Carol, como também é conhecida, uma sobrevivente de uma tentativa de feminicídio que ficou paraplégica após o crime. Em 2014, ela criou o Movimento Feminista Inclusivass (assim mesmo, com dois "s" no final), grupo dedicado à defesa dos direitos humanos das mulheres e meninas com deficiência. Esse movimento é único no Estado e foi criado 21 anos após o crime sofrido por Carol, que a deixou refém de uma cadeira de rodas após receber um tiro. Ela afirma: “Sou essa sobrevivente. Fiz da minha história de vida uma luta pelo fim da violência contra todas as mulheres e meninas, especialmente as com deficiência”. Segundo Carol, as vítimas das tentativas de feminicídio que sobrevivem são esquecidas pela sociedade e até mesmo pela legislação, que não as inclui nas políticas de enfrentamento à violência. Ela afirma que o movimento tem atuado sozinho, mas conta com o apoio de outros grupos para ampliar o debate sobre as sobreviventes e vítimas de violência. “Não temos apoio do município nem do Estado”, desabafa. A ativista destaca que a violência contra as mulheres com deficiência está presente em situações cotidianas, como quando não consegue sair de casa devido à falta de acessibilidade ou quando enfrenta dificuldades para acessar atendimento de saúde. Os obstáculos encontrados por ela e outras mulheres estão longe de serem exceções, exigindo um investimento efetivo em políticas públicas.
Um dos problemas enfrentados pelo movimento é a falta de informações e de mapeamento das mulheres que se tornam deficientes após serem vítimas de feminicídio. A ausência de dados mais precisos dificulta a abordagem das sobreviventes e sem os índices é mais difícil criar políticas públicas efetivas.
A ativista cita a parceria de outras organizações e movimentos, que também atuam na assistência para as sobreviventes, como o THEMIS – Gênero, Justiça e Direitos Humanos, Mirabal, Coletivo Feminista Elza Soares e Mulheres Quebrando Tabus.
𝐎 𝐩𝐫𝐨𝐜𝐞𝐬𝐬𝐨 𝐝𝐞 𝐫𝐞𝐜𝐨𝐧𝐬𝐭𝐫𝐮çã𝐨 𝐧ã𝐨 é 𝐟á𝐜𝐢𝐥.
“Cada mulher que eu consigo conversar, ter acesso, que ajudo a possibilitar que ela saia de uma situação de violência com vida e tenha uma perspectiva de reconstrução é uma vitória para mim. Somos fragmentadas, sofremos por todas. Quando uma morre, morre um pedaço da gente. E o meu trabalho ajuda a reconstruir esses pedaços”. A frase é de Fabiane Lara, 47 anos, uma das primeiras convidadas a compartilhar sua história no projeto. Ela destaca a importância de expressar todos os sentimentos que envolvem a lembrança dos casos sofridos.
No entanto, reconhece que esse processo não é fácil e que só conseguiu falar abertamente sobre o ocorrido 20 anos depois. Fabiane, como é chamada carinhosamente pelas companheiras de grupo, revela que por insegurança, medo de reviver certos lugares e por ser considerada uma mulher forte, havia sufocado sua história por muito tempo, mesmo durante as sessões de terapia. A primeira vez que ela se abriu completamente, compartilhando detalhes impactantes, foi no seu depoimento para o projeto “Histórias Contadas”. O acolhimento, a sinceridade e a ausência de julgamentos das outras participantes foram fundamentais no processo. “Coloquei para fora de uma maneira tão bem acolhida, sincera, livre, sem julgamentos. Foi forte, impactante e libertador. Eu estava totalmente acolhida”, lembra. A ativista enfatiza que o processo foi libertador. Embora não sinta orgulho da sua história, reconhece que despertou uma mulher que agora luta pelas outras. Antes, a batalha era apenas pela sobrevivência, como uma pessoa negra da periferia. Compreender profundamente o significado de lutar pelas mulheres é algo que ela foi descobrindo ao longo dos anos, mas a experiência de sobreviver a um feminicídio, em uma época em que não havia leis ou recursos adequados, foi marcante e crucial em sua jornada.
𝐓𝐡𝐚𝐢𝐬 𝐇𝐢𝐩ó𝐥𝐢𝐭𝐨, 42 anos, também é uma sobrevivente que ficou com marcas visíveis e uma deficiência na mão esquerda, mas que, segundo ela mesmo, decidiu viver e ser feliz. Hoje, as cicatrizes são asas das borboletas que ela tatuou. Uma marca ressignificada na pele. “A gente carrega a marca da violência. Todos os dias é uma luta. Todos os dias a gente acorda e não sabe como vai ser. Eu fiz várias entrevistas onde o preconceito falou mais alto", conta.
O caso de feminicídio contra ela ocorreu há dois anos. Decidiu então sair do Rio Grande do Sul para ressignificar a sua dor. Ela afirma que tinha crise de pânico quando precisava ficar em uma parada de ônibus, onde o crime aconteceu em plena luz do dia, em Porto Alegre. A técnica em enfermagem alega que mesmo tendo sobrevivido e com o apoio dos seus três filhos, não iria conseguir viver na cidade onde tudo aconteceu.
Thais afirma que uma dos grandes obstáculos para a reconstrução foi a recolocação profissional. O início dos diálogos com seus filhos, contudo, esteve longe de ser uma tarefa fácil. De acordo com ela, é uma troca de ensinamentos diária e que procura ao máximo conversar e dizer que nunca mais algo parecido vai ocorrer perto deles. Os pequenos não têm a exata compreensão do que ocorreu, mas ela conta que os ensina a respeitar os seres humanos, principalmente as mulheres. Já para a filha mais velha, alerta que nenhum tipo de agressão deve ser aceita.
Destacamos a parte que fala do movimento, a matéria completa você acesso em texto:
𝑵ú𝒎𝒆𝒓𝒐𝒔 𝒏𝒐 𝒑𝒂í𝒔 𝒔ã𝒐 𝒂𝒍𝒂𝒓𝒎𝒂𝒏𝒕𝒆𝒔.
𝐒𝐞𝐜𝐫𝐞𝐭á𝐫𝐢𝐚 𝐧𝐚𝐜𝐢𝐨𝐧𝐚𝐥 𝐝𝐨𝐬 𝐃𝐢𝐫𝐞𝐢𝐭𝐨𝐬 𝐝𝐚 𝐏𝐞𝐬𝐬𝐨𝐚 𝐜𝐨𝐦 𝐃𝐞𝐟𝐢𝐜𝐢ê𝐧𝐜𝐢𝐚, 𝐀𝐧𝐧𝐚 𝐏𝐚𝐮𝐥𝐚 𝐅𝐚𝐦𝐢𝐧𝐞𝐥𝐥𝐚 𝐥𝐞𝐦𝐛𝐫𝐚 𝐚 𝐢𝐦𝐩𝐨𝐫𝐭â𝐧𝐜𝐢𝐚 𝐝𝐚𝐬 𝐦𝐞𝐝𝐢𝐝𝐚𝐬 𝐩𝐫𝐨𝐭𝐞𝐭𝐢𝐯𝐚𝐬, 𝐪𝐮𝐞 𝐩𝐨𝐝𝐞𝐦 𝐬𝐚𝐥𝐯𝐚𝐫 𝐚𝐬 𝐯𝐢𝐝𝐚𝐬 𝐝𝐞 𝐦𝐮𝐢𝐭𝐚𝐬 𝐦𝐮𝐥𝐡𝐞𝐫𝐞𝐬 .
A secretária nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Anna Paula Faminella, expressa profunda preocupação diante dos alarmantes números de feminicídio no Brasil. Ela compartilha a mesma opinião da delegada Cristiane Ramos ao ressaltar que, muitas vezes, as mulheres já haviam sofrido violências anteriores e a comunidade ao seu redor tinha conhecimento dos casos, porém nenhuma denúncia foi feita. “A sociedade tolera e naturaliza essa violência. As pesquisas mostram que as medidas protetivas salvam as vidas das mulheres, mas infelizmente algumas delas tornam-se vítimas de feminicídio mesmo quando conseguem apoio do Estado. As sobreviventes acabam tendo alguma deficiência e este ponto é importante a ser ressaltado”, declara. Anna Paula confirma a invisibilidade das pessoas com deficiência e afirma que o governo federal está reorganizando a pauta dos direitos humanos. “A histórica invisibilidade e a negação dos direitos das pessoas com deficiência (PCDs) se aprofundou no Brasil com a pandemia. O capacitismo, que é a discriminação por subestimar nossas capacidades, também é milenar, como o racismo”, declara. Ela complementa afirmando que a sociedade precisa mudar sua percepção e tratamento em relação às pessoas com deficiência, afinal essa cultura de invisibilidade limita e, com frequência, impede o livre acesso aos espaços de decisão. “𝐀 𝐩𝐨𝐥í𝐭𝐢𝐜𝐚 é 𝐮𝐦 𝐚𝐦𝐛𝐢𝐞𝐧𝐭𝐞 𝐡𝐨𝐬𝐭𝐢𝐥 𝐩𝐚𝐫𝐚 𝐪𝐮𝐞𝐦 𝐭𝐞𝐦 𝐝𝐞𝐟𝐢𝐜𝐢ê𝐧𝐜𝐢𝐚."
A sociedade está regulamentada pela regra da corponormatividade (que vê as deficiências como falhas)”, explica. Sobre as políticas públicas para as pessoas com deficiência, a secretária afirma que há muito o que fazer. “Desde 2016 não há uma política nacional de promoção dos direitos das pessoas com deficiência.
Além de acessibilidade, é importante construir um contexto social de superação da discriminação, valorização da diversidade e ampliação da oportunidade de participação para todos.
São enfrentamentos às barreiras que as impedem de exercer a plena cidadania. Ainda há muitos direitos fundamentais que não chegam para todas as pessoas e isso impacta em toda a sociedade, empobrece as famílias. A deficiência não pode ser encarada como uma tragédia, é um dado da realidade", conclui.
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