MOVIMENTO FEMINISTA DE MULHERES COM DEFICIÊNCIA INCLUSIVASS
Ewelin Canizares.
As políticas públicas para as mulheres constituem um a avanço na extensa luta do movimento feminista por direitos e garantias. Mas as mulheres com deficiência ainda esbarram na desigualdade destas garantias. Isso se dá devido a falta de políticas públicas que incorporem a transversalidade entre gênero e deficiência, e também o esvaziamento de leis nesse sentido.
Os dados do IBGE (2010) evidenciam que a intersecção entre gênero, classe e raça são fundamentais para compreensão da vivência da deficiência.
Para compreender prováveis fatores que interferem na invisibilidade das pessoas com deficiência, destacamos:
*Quando se trata da pessoa com deficiência, temos 76,7 homens para cada 100 mulheres, mas na população brasileira há 100 mulheres para cada 96 homens;
*26,5% das mulheres brasileiras são mulheres com deficiência;
*30,9% das mulheres negras são mulheres com deficiência.
Mas, a intersecção entre gênero e deficiência, e a intersecção entre gênero, raça e deficiência não são consideradas na sociedade, e muito menos nas políticas públicas.
A raiz desse problema está no capacitismo, que se baseia na ideia de incapacidade integral de corpos com deficiência. O capacitismo também leva a uma generalização das pessoas com deficiência, como se uma pessoa com deficiência fosse igual a outra, independente do tipo de deficiência, do gênero, e de sua raça. Essa ideia se encontra no fato de que quando se fala em acessibilidade, a maioria das pessoas pensa somente em uma rampa, e a ideia de que todas teríamos somente um corpo, sem gênero, sexualidade, cor ou idade.
No documento “ Mulheres e Jovens com Deficiência - Guia para fornecer Serviços focando em Gênero e Diretos focando em Violência de Gênero e Direitos Sexuais e Reprodutivos” do Fundo de População das Nações Unidas, dados globais apontam que de 40 a 68% das mulheres com deficiência irão sofrer violência sexual antes dos 18 anos de idade. De acordo com o Atlas da Violência (2018, pág. 93), cerca de 10,3% das vítimas de estupro possuíam alguma deficiência, sendo 31,1% desses casos deficiência mental e 29,6% transtorno mental (deficiência psicossocial). E, 12,2% dos casos de estupros coletivos foram contra vítimas com deficiência.
Além de pautar essa realidade, precisamos romper com a individualização dessas violências e garantir políticas públicas, principalmente no âmbito do SUS como possível porta de entrada na rede de proteção da mulher. As políticas públicas precisam compreender a deficiência como um importante marcador social e reconhecer essas violências em nossos corpos, já que muitas vezes, por inúmeras barreiras, não percebemos essas violências, ou somos impedidas de denunciá-las.
De um modo geral, nós mulheres com deficiência somos estigmatizadas como assexuadas e incapazes. Somos mais propensas, de 3 à 8 vezes mais, a sofrer abusos de seus parceiros e no ambiente doméstico. Fatores como falta de acessibilidade física, sensorial, arquitetônica, e comunicacional, juntamente com atitudes inadequadas, nos atendimentos públicos e privados, principalmente, nos sistemas educacionais, de segurança e de saúde, impedem-nos de termos nossos direitos respeitados, de sermos ouvidas, e de recebermos cuidados necessários. Além disso, nós possuímos condições de saúde específicas, assim como altos fatores de risco, que necessitam cuidados e atenção específicos. Nossos direitos parentais, sexuais e reprodutivos, que incluem orientações sobre menstruação, fertilidade, pré concepcional, contracepção, e menopausa, não são respeitados.
As presentes propostas levam em conta a diversidade das mulheres com deficiência e o que preconiza a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e a Lei Brasileira de Inclusão. No nosso entendimento, após implementadas, o monitoramento de suas concretizações cabem aos conselhos de direitos das pessoas com deficiência, conselhos de direitos da mulher e organizações representativas da sociedade civil. Também é importante o protagonismo de mulheres com deficiência em cargos públicos, principalmente nos órgãos que lidem diretamente com os nossos direitos.
1 - Incluir a transversalidade das pessoas com deficiência nas temáticas de gênero, raça/etnia, orientação sexual e saúde mental em capacitações para servidores públicos em todas as instâncias municipais;
2 - Criar a secretaria de acessibilidade e inclusão social, inserindo um departamento de mulheres com deficiência;
3 - Promover capacitações teóricas sobre feminismo para mulheres com deficiência;
4 - Criar mecanismos que resguardem as mulheres ou mães com deficiência, beneficiárias do BPC, da violência ou abuso patrimonial por parte de esposos, familiares e/ou instituições;
5 - Incluir as mulheres com deficiência em campanhas publicitárias do município (continuadas e em horário nobre) voltadas para atenção, promoção dos direitos ou violência contra a mulher, garantindo audiodescrição, intérpretes de libras e legenda;
6 - Sensibilizar e subsidiar o poder judiciário para a promoção dos direitos das mulheres com deficiência, estabelecendo parcerias para o enfrentamento à violência, para celeridade à execução dos processos referentes à violência contra a mulher com deficiência; e promovam o fim dos pedidos de esterilização involuntária, interdição forçada e internação compulsória;
7 - Realizar formação/educação de profissionais da saúde, incluindo médicos, para que eles atuem de forma humanizada no atendimento às mulheres com deficiência, a fim de enfrentar a violência institucional nos serviços;
8 - Na Secretaria Municipal da Saúde criar as coordenações da saúde da mulher e da saúde da pessoa com deficiência que se articulem e promovam políticas transversais, contemplando a integralidade da saúde da mulher com deficiência;
9 - Elaborar/Gerar dados e indicadores quantitativos e qualitativos sobre mulheres com deficiência, incluindo as especificidades geracionais, étnico-raciais e de diversidade sexual, de forma a subsidiar políticas públicas; 9 - Ampliar e facilitar o acesso das mulheres com deficiência ao processo de reabilitação, considerando sua saúde, autonomia e independência;
10 - Ampliar e divulgar junto às redes municipais de saúde e maternidades, públicas e privadas, as Diretrizes Terapêuticas de atendimento às pessoas com deficiência; e adaptar instrumentos e serviços para promoção humanizada da saúde das mulheres com deficiência como, a instalação, mamógrafos e mesas ginecológicas, descentralizadas no município;
11 - Garantir acessibilidade plena na rede de enfrentamento à violência contra a mulher: delegacias, centros de referência, casas abrigos, etc.
12 - Promover campanhas e treinamentos junto aos empregadores, voltadas para superação das barreiras atitudinais que impedem o acesso de mulheres com deficiência ao mundo do trabalho;
13 - Realizar encontros/seminários municipais de mulheres com deficiência, considerando diversas dimensões identitárias das mulheres com deficiência (indígenas, negras, lésbicas, bissexuais, trans, quilombolas, etc). que retirem candidatas mulheres com deficiência para ocuparem vagas em conselhos municipais de direitos , garantindo a ampliação da presença das mulheres com deficiência em todos os espaços de controle social, de gestão das políticas públicas;
14 - Assegurar às mulheres com deficiência o direito ao exercício de sua sexualidade, a constituição de família, ao pleno gozo dos direitos sexuais e reprodutivos, incluído o direito a gestação e a adoção;
15 - Garantir a deficiência como categoria transversal nos parâmetros curriculares educacionais;
16 - A educação constitui direito assegurado da menina e mulher com deficiência. Para isso é necessário a manutenção de sistema educacional inclusivo de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem. Para que ele seja garantida, necessitasse incluir a deficiência de forma transversal nos parâmetros curriculares, e nas atividades escolares municipais.
Para garantir o conceito de respeito às individualidades das meninas e mulheres com deficiência, conceitos relativos à Lei Maria da Penha devem ser introduzidos na rede de ensino, garantindo os formatos acessíveis para meninas com deficiência visual, cegas, deficiência auditiva, surdas, e surdas não oralizadas, ou mulheres com dificuldade de fala; também deve se considerar as necessidades de ambientação de interior e de comunicação que atendam às especificidades das meninas com deficiência intelectual, transtorno do espectro autista (TEA) e mental (Linguagem Simples). È necessário, também, promover a busca ativa de meninas com deficiência em idade escolar fora da escola, garantindo a inclusão na rede regular de ensino e o transporte acessível.
17 - É premente e necessário a implementação, e fiscalização do cumprimento do Art. 9 o da LBI, que trata do atendimento prioritário, inclusive quanto à ordem de chegada, em todas as instituições, estabelecimentos e serviços de atendimento ao público, inclusive de saúde no município . 18 - Garantir, um projeto piloto de atendimento com uma central municipal de atendimento em Língua Brasileira de Sinais - Libras, com tradutores e intérpretes devidamente formados para atendimento presencial - previamente agendado.
Conforme a lei de regulamentação do SUS, toda paciente tem autonomia e liberdade para tomar decisões relacionadas à saúde e a sua vida.
Ou seja, a pessoa com deficiência auditiva e surda tem o direito de consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e com adequada informação prévia, procedimentos diagnósticos, terapêuticos e outros atos médicos a serem realizados (Art. 7°, III, Lei 8080/90). Esta central deverá também auxiliar nos atendimentos da rede de proteção da mulher contra a violência doméstica, e feminicídios, onde as mulheres com Deficiente Auditiva e surdas sofrem muitas barreiras em todo o sistema de atendimento e jurídico.
As tecnologias assistivas não se adequam a esses atendimentos complexos, pois possuem falhas e limitações na interpretação semântica de um dado contexto, não sendo considerada ferramenta acessível que atenda as especificidades desses atendimentos.
Por esta razão é preciso garantir a presença de profissionais, devidamente formados, que traduzam a Libras para Português e vice-versa.
A tradução em libras deve estar presente, também, nos informes publicitários, campanhas de saúde e sites oficiais das secretarias municipais, podendo-se valer de dotações orçamentárias pré arranjadas e com financiamentos provenientes dos níveis estadual e federal.
19 - As meninas e mulheres com deficiência intelectual, transtorno do espectro autista, e outras síndromes, podem precisar de atendimento em Linguagem Simples. Nas escolas, precisam de atendimento de atendimento educacional especializado (AEE) em salas de recurso especializadas no próprio estabelecimento em que está matriculado, com ambiente sem estímulos externos e dessensibilizadores.
20 - Na nossa sociedade machista, as mulheres assumem praticamente sozinhas a criação dos filhos. No caso das mães das crianças com deficiência intelectual e TEA (Transtorno do Espectro Autista), as mulheres são também suas cuidadoras, e raramente conseguem manter um emprego, recorrendo a empregos informais para manter uma renda mínima. A construção de uma rede de apoio e acolhimento à essas mães s é extremamente é extremamente necessária.
21 - Crianças com deficiência intelectual e TEA, estão entre as que mais sofrem abusos, ou violência doméstica, uma menina com deficiência intelectual tem 8 vezes mais chance de sofrer abuso sexual do que uma menina sem deficiência. A educação em todos os níveis, a formação para o trabalho, a criação de centros de convivência e residências inclusivas, se configuram em instrumentos essenciais ao combate dessas situações. Também se constituem em uma alternativa humanizada para que ao crescer essas pessoas não se encontrem abandonadas, e sem lar para viver.
22 - Criação de Consultórios/Clínicas de Rua para o atendimento da população vulnerazibilizada. Essa proposta vem no sentido de fornecer um tratamento adequado a essa população, pois sabe-se que existe um contingente considerável de pessoas com deficiência psicossocial, com TEA e/ou deficiência intelectual na população em situação de rua, completamente vulnerabilizados.
Movimento Feminista de Mulheres com Deficência Inclusivass RS.