quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

COLUNA DAS INCLUSIVASS- Jornal Brasil de Fato RS: Mulheres com deficiência: a luta histórica contra o patriarcado capacitista e pelo direito de existir.

 

Carol Santos*

A história das pessoas com deficiência e, especialmente, das mulheres com deficiência é marcada por violência, exclusão e silêncio imposto. Por séculos, esses corpos foram tratados como propriedade de famílias, instituições ou do Estado. Foram tuteladas, infantilizadas, segregadas e privadas de autonomia. Suas experiências foram desconsideradas, e seus direitos, negados.

No caso das mulheres, tudo isso se amplia pela força do patriarcado. O machismo e o capacitismo se combinam para produzir um tipo específico de opressão, na qual o controle sobre o corpo, a sexualidade, a capacidade de decisão e a participação pública é intensificado. A misoginia o ódio às mulheres ganha uma camada adicional quando dirigida a mulheres com deficiência, frequentemente vistas como “menos mulheres”, “menos capazes”, “menos dignas”.

Essa combinação transforma muitas delas em alvos três vezes mais expostos à violência: física, psicológica, sexual, patrimonial, institucional e obstétrica. A dependência produzida pelas barreiras sociais e a falta de acessibilidade deixam muitas mulheres com deficiência vulneráveis dentro da própria casa, nas instituições de saúde, nos abrigos e até nos serviços que deveriam protegê-las.

O silêncio social e o descrédito fruto do capacitismo agravam ainda mais a situação: muitas denúncias não são levadas a sério, muitas vozes são ignoradas.

Ainda assim, mesmo atravessando essas múltiplas violências, mulheres com deficiência sempre resistiram. E é graças a essa resistência que hoje podemos falar de direitos.

Uma trajetória que deixou marcas profundas

A exclusão das pessoas com deficiência  e especialmente das mulheres  não foi um acidente histórico: foi um projeto sustentado pelo patriarcado, pelo machismo estrutural e pela crença capacitista de que corpos não normativos não pertencem à vida social.

As marcas dessa história ainda estão presentes: escolas inacessíveis, falta de oportunidades de trabalho, invisibilidade política, esterilizações forçadas, tutela compulsória e o questionamento constante da capacidade dessas mulheres de decidir sobre suas próprias vidas.

Da negação ao reconhecimento: uma linha histórica de luta

1960–1970 — nascimento do movimento moderno e do modelo social

Nesta época, pessoas com deficiência começam a se organizar internacionalmente, denunciando o isolamento imposto. É nesse ambiente que nasce o modelo social da deficiência, afirmando que os obstáculos não estão nos corpos, mas nas barreiras culturais e estruturais que a sociedade cria.

Mulheres com deficiência passam a denunciar que, além das barreiras físicas e sociais, enfrentam ser tratadas como incapazes, assexuadas ou, ao contrário, disponíveis para o abuso  fruto direto da misoginia e do capacitismo.

2006 — Convenção Internacional da ONU

Aprovada após intensa mobilização global, a Convenção coloca a deficiência no campo dos direitos humanos, reconhecendo autonomia, participação, igualdade e acessibilidade como princípios fundamentais.
É uma resposta direta a séculos de violências sustentadas pelo machismo e pelo capacitismo.

2009 — O Brasil incorpora a Convenção com status constitucional

É um marco: o país se compromete a enfrentar todas as formas de opressão, incluindo as violências de gênero e de deficiência, que limitam profundamente a vida das mulheres.

2015 — Lei Brasileira de Inclusão

Após décadas de reivindicação, a LBI consolida direitos básicos e cria mecanismos de proteção e participação social.
Ainda que tardia, é uma lei que reconhece que pessoas com deficiência  inclusive mulheres  têm o direito de existir, amar, decidir e participar plenamente da sociedade.

Mas que direitos são esses que levaram tanto tempo para chegar?

São direitos que deveriam ser óbvios, mas foram negados por séculos:

  • viver sem violência  em casa, na rua, nas instituições e no digital

  • ter autonomia sobre o próprio corpo, maternidade e sexualidade

  • exercer trabalho digno e remunerado

  • estudar em escolas inclusivas e acessíveis

  • circular pela cidade com segurança

  • participar da política e da vida pública

  • acessar saúde sem discriminação

  • amar, desejar, construir sua própria vida

  • existir sem tutela imposta

Esses direitos só se tornaram garantias formais por causa da luta coletiva  e principalmente da luta das próprias mulheres com deficiência.

Mulheres com deficiência têm desafiado o patriarcado capacitista ao afirmar:

não somos frágeis demais para decidir,
nem fortes demais para sofrer caladas;
não somos objetos de cuidado;
somos sujeitos de direitos.

Elas reivindicam voz, representação, segurança, autonomia, acessibilidade e respeito. São cada vez mais protagonistas na denúncia das violências escondidas sob o nome de “proteção”, e na construção de políticas públicas que reconhecem suas vidas como dignas.

No Dia Internacional dos Direitos Humanos, é preciso reafirmar:
direitos humanos só existem quando todas as pessoas conseguem exercê-los  sem machismo, sem violência, sem misoginia e sem capacitismo.

Carol Santos  é ativista feminista, sobrevivente de tentativa de feminicídio e faz parte do Movimento Feminista Inclusivass.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

Editado por: Vivian Virissimo
Texto publicado na Coluna das Inclusivass em 10/12/2025