Retângulo com fundo rosa e o simbolo da pessoas com deficiência. |
Autoria deste relatório: The International Network of Women with Disabilities (“rede internacional de mulheres com deficiência”)
ARQUIVOS ‘BARBARA FAYE WAXMAN FIDUCCIA’ SOBRE MULHERES E MENINAS COM DEFICIÊNCIA Centro para Estudos de Políticas sobre Mulheres
Março de 2011 Tradução: Romeu Kazumi Sassaki
APRESENTAÇÃO
A que nos referimos quando falamos sobre violência contra mulheres com
deficiência? De que forma ela é diferente da violência contra mulheres em
geral? De que forma ela é igual? De que forma ela é diferente da violência
contra pessoas com deficiência em geral? Como podemos proteger os direitos
das mulheres com deficiência para se livrarem da violência?
A International Network of Women with Disabilities (INWWD) conduziu
uma série de debates sobre a violência contra mulheres com deficiência em
2009-2010 para encontrar respostas a algumas destas questões a partir das
perspectivas e experiências das próprias mulheres com deficiência. O
documento resultante serviu de base para este Relatório.
A INWWD foi inaugurada em 2008 e é composta por organizações,
grupos e redes de mulheres com deficiência, em âmbitos internacional,
regional, nacional ou local, assim como, individualmente, por mulheres com
deficiência e outras mulheres
[1]. A missão da INWWD é a de capacitar
mulheres com deficiência para compartilharem seus conhecimentos e
experiências, de aumentar sua capacidade de defender seus direitos, de
empoderá-las para efetivarem mudança e inclusão positivas em suas
comunidades, e de promover seu envolvimento em políticas em todos os níveis
– a fim de criarem um mundo mais justo e que reconheça a deficiência, o
gênero, a justiça e os direitos humanos.
O objetivo deste Relatório é o de educar as pessoas a respeito da
violência vivenciada por mulheres com deficiência, de fazer recomendações
sobre o que pode ser feito por uma variedade de agentes intervenientes
[governos nacionais e locais, ONU, provedores de serviços, doadores e sociedade civil (organizações de mulheres, grupos de direitos humanos,
organizações de HIV, organizações de pessoas com deficiência etc.)] para
acabar com a violência contra mulheres com deficiência, de motivar agências
que lidam com violência contra mulheres para que incluam a prevenção da
violência contra mulheres com deficiência em seu trabalho, e de empoderar as
mulheres com deficiência para se protegerem contra a violência.
A violência contra mulheres é um crime e uma violação de direitos que
ocorrem repetidas vezes na vida de um grande número de mulheres ao redor
do mundo. Embora os tipos de violência praticados possam diferir dependendo
da cultura e situação socioeconômica, há aspectos dessa violência que são
universais.
A violência baseada no gênero tem raízes na falta de igualdade
entre homens e mulheres, e essa violência ocorre com frequência nos lares,
dentro do seio familiar.
A tolerância da sociedade para com a violência
baseada no gênero e a privacidade do ato violento quando praticado dentro de
casa fazem com que essa violência se torne invisível ou difícil de ser
detectada.
Embora mulheres com deficiência sejam vítimas das mesmas formas de
violência cometidas contra as demais mulheres, algumas formas de violência
contra mulheres com deficiência não têm sido vistas como violência baseada
no gênero; isto por causa da intensa discriminação baseada na deficiência.
Porém, a incidência de maus-tratos e abuso contra mulheres com deficiência
excede de longe aquela que atinge mulheres sem deficiência [2].
Além disso, os dados disponíveis, apesar de escassos, também mostram
que o índice de violência contra mulheres com deficiência é mais alto do que
contra homens com deficiência [3].
A violência contra mulheres e meninas com deficiência não só é um
subconjunto da violência baseada no gênero, como também é uma categoria
intersetorial relacionada com a violência baseada no gênero e na deficiência. A
confluência destes dois fatores resulta em um risco extremamente alto contra
mulheres com deficiência [4].
NATUREZA, TIPO E PREVALÊNCIA DA
VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES COM DEFICIÊNCIA
A Declaração sobre a Eliminação da Violência contra Mulheres
(Organização das Nações Unidas, 20/12/1993) define a violência contra
mulheres conforme segue:
“Artigo 1: O termo "violência contra mulheres" significa qualquer ato de
violência baseada no gênero que resulte, ou provavelmente resulte, em
dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico para as mulheres,
incluindo ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrária de
liberdade, que ocorram em público ou na vida particular.
Artigo 2: A violência contra mulheres será entendida como aquela que abrange
os seguintes tipos, sem se limitar a estes:
(a) Violência física, sexual e psicológica que ocorra na família, incluindo
agressão, abuso sexual de meninas no lar, violência relacionada
com o dote, estupro cometido pelo marido, mutilação de genitais
femininos e outras práticas tradicionais danosas para mulheres,
violência cometida por pessoa não-cônjuge e violência relacionada
com a exploração;
(b) Violência física, sexual e psicológica que ocorra na comunidade geral,
incluindo estupro, abuso sexual, assédio sexual e intimidação no
trabalho, em instituições educacionais e outros lugares, tráfico de
mulheres e prostituição forçada;
(c) Violência física, sexual e psicológica perpetrada ou deixada ocorrer
pelo Estado, onde quer que ela ocorra”. [5]
Como foi visto acima na Declaração, a violência baseada no gênero inclui
uma ampla gama de atos abusivos, tais como mutilação genital, abuso físico e
emocional e exploração econômica.
De acordo com a Organização Mundial
contra a Tortura, o estupro e o abuso sexual, a mutilação genital, o incesto, o
aborto forçado, os crimes de honra, a violência relacionada com o dote, os
matrimônios forçados, o tráfico humano e a prostituição forçada serão todos
considerados formas de tortura [6].
Em complemento, estudos mostram que as pessoas com deficiência são
vítimas de abuso em uma escala bem maior que as pessoas sem deficiência
[7]. Um fator por trás da crescente incidência de violência contra pessoas com
deficiência é o estigma associado com a deficiência.
Pessoas com deficiência
são, com frequência, consideradas pela sociedade como sendo “não
completamente humanas e de menos valor. (...) A ausência de representações
de sua identidade favorece a percepção de que se pode abusar delas sem
remorso ou peso na consciência” [8].
Algumas sociedades podem acreditar que a deficiência é um castigo
divino ou que a deficiência pode ser contagiosa para outras pessoas.
Outras
sociedades podem ver a pessoa com deficiência como um objeto de caridade
ou pena, e não como uma pessoa que seja digna de direitos iguais aos de
pessoas sem deficiência.
O contexto médico é uma fonte singular de abusos praticados contra
pessoas com deficiência [9, 10].
De acordo com o Relator Especial da ONU
sobre tortura e outro tratamento ou punição cruel, desumano ou degradante,
um dos propósitos da definição de tortura é “por razões baseadas na
discriminação de qualquer espécie”, observando que os atos de discriminação
ou violência grave contra pessoas com deficiência podem mascarados pelas
“boas intenções” dos profissionais médicos.
Tratamentos médicos de natureza intrusiva e irreversível, forçados ou
administrados sem o consentimento livre e informado da pessoa em questão,
que tenham o objetivo de corrigir ou aliviar uma deficiência ou que não tenham
um propósito terapêutico, podem constituir tortura ou tratamento cruel contra
pessoas com deficiência [11].
Estes tipos de atos incluem: aborto e esterilização forçados,
intervenções psiquiátricas forçadas, internação involuntária em instituições e
eletrochoque forçado ou ‘inalterado’ (eletroconvulsoterapia ou ECT) [12].
A privação da capacidade legal para uma pessoa tomar decisões facilita
tratamentos coercitivos e violência de todos os tipos e pode constituir tortura e
tratamento cruel em si mesmo, pois essa privação pode equivaler à negação
da plena qualidade de ser pessoa [13].
Tal forma profunda de discriminação
pode causar sofrimento severo.
Na palestra intitulada “Livres da Tortura ou do Tratamento/Punição
Cruel, Desumano e Degradante”, que ministrou na Organização das Nações
4
Unidas, Kate Millett (autora dos livros “Sexual Politics” e “The Politics of
Cruelty”) declarou:
“Para pessoas com deficiência, isto significa ‘Livres do tratamento e do
confinamento forçados’. Livres do constrangimento e da coerção. O poder
opressivo e gigantesco.
O poder de uma civilização inteira arremessado contra
uma pessoa sozinha. Cada telefone, cadeado, guarda, droga, (...) tudo conspira
para deixar você completamente sozinha e apavorada... manipulável. Estas são as
condições da tortura. Você não sabe o que vem em seguida. Você não sabe
quanto tempo isso vai durar. ‘Ninguém saberá nunca’ – uma voz entoa. Ninguém
acreditará em você nunca.” [14]
A INTERSECÇÃO ENTRE DEFICIÊNCIA
E VIOLÊNCIA BASEADA NO GÊNERO
Em um estudo feito no Canadá, foram enviados questionários para 245
mulheres com deficiência. Das que responderam, 40 por cento relataram que
elas foram vítimas de abuso e 12 por cento disseram que foram estupradas.
Contudo, menos da metade destes incidentes foi registrada [15].
Outro estudo, conduzido nos EUA sobre a prevalência do abuso contra
mulheres com deficiência física, revelou que de 25 a 31 mulheres com
deficiência entrevistadas relataram que foram vítimas de abuso de algum tipo
(emocional, sexual ou físico) [16].
Uma pesquisa sobre ‘violência doméstica e
mulheres com deficiência’ também mostrou que mulheres com deficiência
foram vítimas de uma ampla gama de violência cometida por atendentes
pessoais (abuso emocional, físico e sexual) e por provedores de cuidados de
saúde (abuso emocional e sexual), assim como índices mais altos de abuso
emocional [17, 18, 19] cometidos por estranhos e membros da família.
O relato pessoal de uma mulher com espinha bífida, 38 anos de idade,
que descreveu o abuso sexual cometido pelo seu marido durante seis anos,
reflete uma história de abuso emocional, sexual e físico contra mulheres com
deficiência, cometido por alguém da própria família ou por cuidadores:
“Meu marido ficava furioso quando eu me recusava a fazer sexo e ele continuava
a gritar comigo e me agarrava até eu desistir só para calar a boca dele.
Ele me
controlava não me deixando sair do quarto, jogando ou quebrando minhas
bengalas canadenses. Certa vez, ele rasgou meu pijama enquanto eu dormia.
Cada um de nós procurou aconselhamento individual e agora a situação entre
nós está bem melhor porque compreendemos a origem destes problemas” [20].
A violência contra mulheres com deficiência é parte da questão maior que
envolve a violência contra pessoas com deficiência em geral e inclui a violência
cometida com força física, compulsão legal, coerção econômica, intimidação,
manipulação psicológica, fraude e desinformação, e na qual a falta de
consentimento livre e informado é um indispensável componente analítico.
A
violência pode incluir omissões, tais como negligência deliberada ou falta de
respeito, assim como excessos que machucam a integridade do corpo e/ou da
mente de uma pessoa.
Em complemento aos excessos de violência baseada no gênero descritos
aqui, existem atos mais sutis que têm origem na discriminação atitudinal contra
pessoas com deficiência.
De fato, mulheres com deficiência são vítimas de tipos de abuso pelos
quais as mulheres sem deficiência não passam [21].
Além disso, a natureza e
os tipos de violência contra mulheres com deficiência, e particularmente contra
mulheres com deficiência psicossocial e deficiência intelectual, são
provavelmente ignorados em estudos sobre violência contra mulheres.
Além dos tipos de violência cometidos contra mulheres em geral, os
seguintes atos e atitudes podem constituir violência contra mulheres com
deficiência:
a) isolamento forçado, confinamento e ocultação dento da casa da própria
família;
b) aplicação forçada e coercitiva de drogas psicotrópicas ou colocação de
drogas na comida;
c) institucionalização forçada e coercitiva;
d) contenção e isolamento em instituições;
e) criação de situações pretextadas para fazer a mulher parecer violenta ou
incompetente a fim de justificar sua institucionalização e privação da
capacidade legal;
f) forjamento de rótulos de raiva e autodeclaração das mulheres como um
comportamento de “pessoas com transtorno mental e perigosas”
(especialmente se a mulher já foi internada em hospitais psiquiátricos);
g) negação das necessidades e negligência intencional;
h) retenção de aparelhos de mobilidade, equipamentos de comunicação ou
medicação que a mulher toma voluntariamente;
i) ameaças para negligenciar ou cancelar apoios ou animais assistentes;
j) colocação de mulheres em desconforto físico ou em situações
constrangedoras por longo período de tempo;
k) ameaças de abandono cometidas por cuidadores;
l) violações de privacidade;
m) estupro e abuso sexual cometidos por membro da equipe ou por outro
paciente internado em instituições;
n) restrição, desnudamento e confinamento solitário que replica o trauma
do estupro;
o) aborto forçado; e
p) esterilização forçada.
Alguns tipos de violência contra mulheres com deficiência não são
imediatamente percebidos como violência porque são legais e aceitos pela
sociedade.
Isto se apresenta especificamente verdadeiro nas intervenções
psiquiátricas e institucionalizações forçadas [22].
Estes atos de violência são
cometidos sob autoridade legal do Estado em consequência de uma política
governamental discriminatória e errada, e não há possibilidade de reparação, o
que reforça a mensagem que toda violência transmite à vítima: ‘as mulheres
não têm poder’ [23].
Comparadas aos homens com deficiência, as mulheres com deficiência
têm, em geral, menos acesso a cuidados médicos qualificados e à reabilitação;
recebem medicamentos, ajudas técnicas e outros tratamentos que sejam
menos dispendiosos; e têm menos acesso a apoios sociais, educação superior
e oportunidades de emprego.
Uma consequência desta desigualdade é que as
mulheres com deficiência são destituídas de seus direitos à inclusão social [24,
25, 26] e são, com frequência, forçadas a viver em pobreza.
A falta de sensibilidade, de treinamento adequado dos profissionais de
saúde ou de adaptações razoáveis nos cuidados de saúde das mulheres pode
produzir resultados graves e fatais, como foi demonstrado pelo relato de uma
mulher, de 30 anos de idade, que não podia comunicar-se eficientemente com
as enfermeiras durante o trabalho de parto.
Ela não estava sabendo que iria
dar à luz gêmeos e, por isso, parou de fazer força após a saída do primeiro
bebê.
Ela contou [em sinais]: “(A enfermeira) foi muito rude comigo e ela não
conhecia a língua de sinais. Ela não conseguiu me dizer para eu continuar
fazendo força.
Ela não me orientou. Meu segundo bebê morreu” [27].
Mulheres com deficiência também relatam ter sido vítimas de abuso por
muito tempo e ter sentido como se elas tivessem menos alternativas para fugir
do abuso ou para acabar com ele [28].
Além de as mulheres com deficiência enfrentarem as mesmas barreiras
que qualquer outra mulher enfrenta para fugir da violência ou acabar com ela
(tais como: dependência emocional e financeira em relação ao abusador,
repugnância à possibilidade de serem estigmatizadas, preocupação por serem
mães que criam filho sozinhas, receio de perderem contato com filhos,
preocupação quanto a não serem acreditadas ou ajudadas se elas
denunciarem abuso, relutância em tomar alguma atitude que possa aumentar a
violência), as mulheres com deficiência se defrontam com barreiras adicionais
[29].
Por exemplo, a falta de comunicação em formatos acessíveis torna mais
difícil para as mulheres com deficiência a obtenção de informações sobre
serviços disponíveis e mais difícil a comunicação com abrigos e outros serviços
que possam estar disponíveis para intervir no interesse delas.
Além do mais,
profissionais de serviços não possuem habilidades ou recursos – tais como,
interpretação em língua de sinais e materiais em braile – para se comunicar
com mulheres que tenham deficiência auditiva ou visual. E a inacessibilidade
dos transportes é um obstáculo [30, 31, 32] que impede estas mulheres de usar
tais serviços e/ou de fugir do abuso.
FATORES DE RISCO SINGULARES PARA
A VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES COM DEFICIÊNCIA
Condições resultantes da deficiência em si, combinadas com atitudes em
relação às mulheres em sociedades patriarcais, colocam as mulheres com
deficiência em crescente risco de sofrerem violência.
Muitas mulheres com
deficiência se percebem como vítimas de maus-tratos e abuso, enquanto a
sociedade ignora este problema.
Contudo, algumas mulheres com deficiência
podem não se perceber como vítimas porque consideram estas situações
como habituais e associadas à deficiência.
Em algumas situações, a sociedade se recusa a reconhecer que certos
atos constituem violência e as mulheres atacadas podem não se considerar
vítimas.
Isto se torna particularmente verdadeiro em relação aos atos autorizados
no direito da família, tais como intervenções psiquiátricas forçadas com drogas
que alteram a mente, eletrochoque ou psicocirurgia, institucionalização,
contenção e isolamento, que são praticados principalmente em mulheres com
deficiência psicossocial [33, 34].
Mulheres com deficiência podem também ter menos acesso às
informações sobre como se proteger contra a violência e o estupro.
Mulheres
com deficiência são, com frequência, menos capazes de se defender.
Perpetradores têm a tendência de acreditar que seus atos não serão
descobertos; e mulheres com deficiência, muitas vezes, não são levadas a
sério quando denunciam tais atos [35].
Mulheres com deficiência, com frequência, são mais dependentes de
outras pessoas para obter ajuda, fisicamente e/ou financeiramente [36].
Sob
tais circunstâncias, as mulheres podem ter receio de denunciar abusos, pois
isto poderia resultar em quebra de laços e em perda da ajuda de que possam
precisar.
Em algumas circunstâncias, a falta de formatos acessíveis de
comunicação é um empecilho para denunciar maus-tratos.
Com frequência, as
mulheres com deficiência receiam que poderão ser internadas se elas tomarem
alguma atitude que possa aumentar a violência ou se elas abandonarem sua
casa.
As mulheres com deficiência correm maiores riscos de exposição à
violência ao morarem em instituições, lares e hospitais e têm menos
credibilidade ao denunciarem a violência que ocorra dentro de instituições.
Há
pouca possibilidade de autodefesa eficaz quando alguns tipos de violência (tais
como institucionalização compulsória, restrição e confinamento, aplicação
forçada de drogas e eletrochoque, aborto forçado e esterilização) são
permitidos por lei em muitos países [37].
Os efeitos duradouros do eletrochoque e algumas drogas psiquiátricas
podem também enfraquecer a capacidade da mulher para se defender contra
qualquer tipo de violência e abuso.
Uma mulher com deficiência pode sentir baixa autoestima quando ela não
é vista como uma mulher; e vista apenas como uma pessoa com deficiência –
ou pior – apenas como sua deficiência.
A falta de oportunidades para desempenhar o papel tradicional
geralmente disponível para mulheres (tais como a maternidade) pode também
contribuir para a mulher com deficiência sentir-se desvalorizada pela
sociedade.
Existe uma ameaça adicional à sua credibilidade quando
profissionais não reconhecem que mulheres com deficiência têm
relacionamento sexual e íntimo ou quando eles não compreendem ou não
identificam uma situação como sendo um tipo de abuso – em vez disso, eles
desviam o foco para a deficiência da mulher e, com isso, camuflam ou até
ignoram o fato de que a mulher sofreu abuso.
A negação em si dos direitos humanos da mulher resulta na experiência
da fraqueza.
Apesar da severidade da discriminação, da força do preconceito
da sociedade contra mulheres com deficiência e da evidência de suas experiências, a violência contra mulheres com deficiência não é reconhecida e
diversos fatores contribuem para esta invisibilidade [38].
Por exemplo, há falta de uma ampla definição da violência que abranja
todos os tipos de violência contra mulheres com deficiência – e alguns tipos de
violência contra mulheres com deficiência são permitidos por lei e cometidos
sob a autoridade do Estado.
Profissionais, parentes, amigos e outras pessoas
são incapazes de distinguir as circunstâncias que resultam da violência contra
mulheres com deficiência por causa da falsa percepção de que as
circunstâncias são “inerentes” à deficiência.
Além disso, pesquisadores e formuladores de políticas raramente
identificam situações de, por exemplo, abandono físico ou crueldade
psicológica, como sendo maus-tratos.
E mais, se uma intervenção é feita em
uma situação na qual a violência foi perpetrada por um atendente pessoal, por
um membro da família ou por um amigo, o incidente é tratado apenas pelo
sistema de serviços sociais e é raramente considerado como um crime que
deveria ser tratado pela polícia e/ou pelo sistema de justiça criminal.
Há uma falta de credibilidade atribuída a mulheres que solicitam
tecnologia assistiva ou adaptação razoável em comunicação e a mulheres que
já foram rotuladas com um diagnóstico de transtorno mental ou de deficiência
intelectual.
Finalmente, é difícil para uma sociedade progressista admitir que
uma mulher com deficiência foi objeto de violência ou abuso [39].
Quando medidas são tomadas para acabar com a violência contra
pessoas com deficiência, mirando “pessoas” com deficiência sem reconhecer
que existem questões singulares para “mulheres” com deficiência, isto contribui
para um conceito “neutro quanto ao gênero”, que ignora as mulheres com
deficiência, torna invisíveis as suas necessidades e reforça o seu isolamento.
Considerando-se que a violência contra mulheres com deficiência está
oculta e é ignorada, esta abordagem “neutra quanto ao gênero” aumenta o seu
risco de exposição à violência.
RECOMENDAÇÕES
Conforme foi documentado nas seções acima, a violência contra
mulheres com deficiência é uma profunda violação de direitos humanos que se
manifesta de diversas formas, resultando em significativos danos físicos e
emocionais.
Tal violência pode ser perpetrada intencionalmente assim como
através de práticas sistêmicas e sociais consideradas “bem-intencionadas”.
Um amplo conjunto de agentes intervenientes tem importantes papéis a
desempenhar para garantir os direitos das mulheres com deficiência para
ficarem livres da violência. Estes agentes intervenientes incluem: governos
nacionais e locais, a ONU (em especial, a UN Women e o Fundo da
População), provedores de serviços, doadores e sociedade civil (por exemplo,
organizações de mulheres, grupos de direitos humanos, organizações de HIV e
organizações de pessoas com deficiência).
Considerando-se a natureza grave e profunda da violência contra
mulheres com deficiência, estes agentes intervenientes podem e devem
executar um amplo leque de ações e iniciativas para assegurar que as
mulheres com deficiência não se tornem vítimas da violência e para lhes
proporcionar meios empoderados, acessíveis e seguros de recorrer em caso
de violência.
Este Relatório oferece recomendações importantes para uma variedade
de grupos de agentes intervenientes.
Algumas das recomendações são transversais para todos os agentes
intervenientes referidos acima e deverão ser incorporadas em todas as ações e
medidas que objetivem a proteção das mulheres contra o abuso e a violência.
Algumas recomendações são principalmente dirigidas a órgãos
governamentais e outras têm o objetivo de informar e orientar as ações dos
defensores.
(1) Recomendações Transversais
É fundamental para quaisquer agentes intervenientes que eles ofereçam
programas e recursos para mulheres com deficiência reconhecendo a
heterogeneidade da deficiência e assegurando que mulheres com todos os
tipos de experiência em deficiência sejam incluídas em todas as medidas
relativas a mulheres com deficiência, e que tais medidas sejam de igual valor
para todas as mulheres com deficiência.
É decisivamente importante que
mulheres com deficiência façam parte dos esforços de inclusão iniciados por
governos, organizações de direitos humanos, parceiros de desenvolvimento e
sociedade civil com o objetivo de avançar a questão do combate à violência
contra todas as mulheres.
Os agentes intervenientes precisam assegurar que as mulheres com
deficiência possam acessar fisicamente os programas e serviços, tomando
medidas que lhes proporcionem acesso ao transporte ou outro apoio,
proporcionem interpretação em língua de sinais e executem quaisquer outras
ações que garantam que tais programas não excluam nenhuma mulher com
base em sua deficiência (por exemplo, deficiências psicossocial e intelectual).
Os agentes intervenientes em todos os níveis deverão adotar medidas
para combater o estigma, a discriminação e todos os tipos de violência contra
mulheres e meninas com deficiência, através de campanhas de
conscientização e debates comunitários, por exemplo.
É importante para todos
os agentes intervenientes e provedores de serviço estarem cônscios da
necessidade de múltiplos formatos de comunicação e eles deverão disseminar
informações em formatos que sejam acessíveis às pessoas com deficiências
de aprendizagem e deficiências visual e auditiva (por exemplo, mediante o uso
do braile, da língua de sinais e de uma linguagem facilmente compreensível).
(2) Recomendações para Governos Nacionais e Locais
• Adotem leis e políticas que reconheçam que todos os atos (por exemplo,
violência psiquiátrica e institucionalização forçada) que violam o direito à
integridade corporal de mulheres com deficiência são ilegais e são
considerados atos de violência.
• Incluam ativamente diversas mulheres com deficiência no
desenvolvimento e implementação de programas, políticas e protocolos
dirigidos para provedores de serviços, responsáveis pela aplicação da lei
e outros funcionários que trabalhem junto a mulheres com deficiência.
(3) Recomendações para Órgãos Governamentais, Doadores
Internacionais e Gestores de Desenvolvimento
• Assegurem que todas as pesquisas, ações e defensorias, relativas à
violência contra mulheres com deficiência, incorporem os tipos de
violência (por exemplo, violência psiquiátrica) identificados por mulheres
com deficiência psicossocial; e investiguem plenamente as experiências
delas.
• Assegurem que as mulheres com deficiência possam preservar sua
capacidade legal e sua liberdade.
• Em parceria com organizações de pessoas com deficiência e outras
entidades baseadas na comunidade, eduquem pais, parceiros,
enfermeiros, cuidadores e outros provedores de serviços de saúde, para
que eles tratem respeitosamente as mulheres com deficiência e lhes
ofereçam atendimento de qualidade quando seus serviços forem
solicitados.
• Treinem comunidades sobre como incluir, e comunicar-se com, pessoas
que tenham os mais diversos tipos de deficiência a fim de evitarem o
isolamento das mulheres e meninas com deficiência.
(4) Recomendações para Autoridades Locais, Comissões e
Órgãos de Direitos Humanos, Trabalhadores de Ajuda
Humanitária, Agências da ONU, Organizações Não Governamentais
e Provedores de Serviços Diretos
• Criem canais acessíveis para disseminar informações, prestar
consultoria e denunciar todos os tipos de violência contra mulheres e
meninas com deficiência.
• Levantem dados sobre o número de mulheres com deficiência que
buscam serviços e programas de prevenção da violência contra
mulheres e de atendimento às vítimas de tal violência e utilizem esses
dados para desenvolver iniciativas mais inclusivas.
• Investiguem as causas de todos os tipos de violência contra mulheres
com deficiência e, especificamente, as necessidades de meninas,
mulheres idosas, mulheres solteiras, mulheres indígenas e mulheres que
moram em zonas rurais, em relação ao isolamento e à vitimização que
contribuem para a prática da violência em tais circunstâncias.
• Eduquem mulheres e meninas com deficiência sobre seus direitos
humanos.
• Proporcionem às mulheres e meninas com deficiência informações e
aconselhamento sobre questões de saúde sexual e reprodutiva.
(5) Recomendações para Organizações de Pessoas com
Deficiência, Organizações Baseadas na Comunidade e
Outros Membros da Sociedade Civil
• Desenvolvam serviços de defensoria, informação e apoio para mulheres
e meninas com deficiência que tenham sobrevivido a qualquer tipo de
violência.
• Treinem mulheres com deficiência para organizarem e gerenciarem
eficientemente serviços de apoio, para desenvolverem habilidades e
competências de autossuficiência econômica e para usarem tecnologias
assistivas que propiciem maior autonomia e independência.
CONCLUSÃO
A violência contra mulheres com deficiência compartilha características
comuns com a violência contra mulheres em geral, mas possui dimensões
singulares também.
A violência contra mulheres com deficiência é quase
sempre um ato que é perpetrado contra o que é percebido como “um ser
defeituoso” e é uma demonstração de um tipo socialmente aceitável de poder e
controle sobre o corpo e a mente da mulher.
A falta de respeito pela pessoa das vítimas e a discriminação contra
pessoas com base na deficiência são atos de violência em si mesmos e
causam intensa frustração nas pessoas que forem alvo dessa discriminação.
Quando uma discriminação é cometida com base no gênero, a extensão
da discriminação e da violência perpetrada contra mulheres com deficiência é
inaceitável e intolerável.
É incumbência de uma sociedade progressista fazer o
que estiver em seu poder para acabar com a violência contra mulheres com
deficiência.
Citações no corpo deste relatório
[1] Desejando maiores informações sobre a INWWD (rede internacional de mulheres com deficiência),
enviar e-mail para: inwwd@yahoo.com.
[2] Iglesias, M. (1998).
Violence and women with disability. Vedras, Espanha: AIES;
The Swedish
Research Institute for Disability Policy, HANDU AB. (2007). Men’s violence against women with
disabilities. Synskadades Riksforbund, The Report Series, 2007 (1). Extraído, em 10/02/2011, de:
http://www.wwda.org.au/swedishstudy1.pdf
[3] Department of Justice, Office of Justice Programs. (2009). Crime against people with disabilities,
2007. Bureau of Justice Statistics, Special Report. Extraído, em 10/02/2011, de:
http://bjs.ojp.usdoj.gov/content/pub/pdf/capd07.pdf
[4] Frohmader, C. (1998). Violence against women with disabilities, A report from the National Women
with Disabilities and Violence Workshop. Canberra: Women With Disabilities Australia (WWDA).
[5] United Nations General Assembly. (1993). Declaration on the Elimination of Violence against
Women [A/RES/48/104]. Extraído, em 26/03/2011, de:
http://www.un.org/documents/ga/res/48/a48r104.htm
[6] World Organisation Against Torture. (2010). Violence against women. Extraído, em 10/02/2011, de:
http://www.omct.org/index.php?id=EQL&lang=eng
12
[7] European Disability Forum. (1999). Report on violence and discrimination against disabled people
[Doc EDF 99/5 EN]. Extraído, em 10/02/2011, de:
http://cms.horus.be/files/99909/MediaArchive/EDF%2099-5-iolence%20and%20discr-EN.pdf
[8] Iglesias, M. (2004). The nature of violence against disabled people. Extraído, em 10/02/2011, de:
http://www.nda.ie/cntmgmtnew.nsf/0/BE967D49F3E2CD488025707B004C4016?OpenDocument
[9] Young, M., Nosek, M., Howland, C., Chanpong, G., & Rintala, D. (1997). Prevalence of abuse of
women with physical disabilities. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation, 78 (Supplement),
S34–8.
[10] Interim report of the Special Rapporteur on the question of torture and other cruel, inhuman or
degrading treatment or punishment. (2008). UN Doc. A/63/175. Extraído, em 10/02/2011, de:
http://daccessdds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N08/440/75/PDF/N0844075.pdf?OpenElement
[11] Ibid.
[12] Ver também: Minkowitz, T. (2007). The UN CRPD and the right to be free from nonconsensual
psychiatric interventions. Syracuse Journal of International Law and Commerce, 32(2), 405-428; e
documentos e palestras sobre intervenções psiquiátricas forçadas, como torturas, disponíveis em:
http://www.chrusp.org/home/resources
[13] Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights. (2007). Expert seminar on
freedom from torture and persons with disabilities. Extraído, em 10/02/2011, de:
http://www2.ohchr.org/english/issues/disability/documents.htm
[14] Millett, K. (2005). Freedom from torture or cruel, inhuman and degrading treatment or punishment.
Extraído, em 10/02/2011, de: http://www.mindfreedom.org/kb/mental-health-global/millettfreedomfrom-torture
[15] Ridington, J. (1989). Beating the odds: Violence and women with disabilities. Vancouver, Canada:
DisAbled Women's Network (DAWN).
[16] Young et al., op. cit.
[17] Ibid.
[18] Nixon, J. (2009). Domestic violence and women with disabilities: Locating the issue on the periphery
of social movements. Disability & Society, 24(1), 77-89.
[19] Frohmader, 1998, and Strahan, F. (1997). More than just a ramp - A guide for women's refuges to
develop Disability Discrimination Act action plans. Preparado para: Women With Disabilities
Australia (WWDA), Canberra, conforme citado em: Women With Disabilities Australia. (2004).
Valuing South Australia's women: Towards a women's safety strategy for South Australia. Submetido
ao South Australian Government's Discussion Paper. Canberra: WWDA. Extraído, em 10/02/2011,
de: http://www.wwda.org.au/saviolsub.htm#three
[20] Young, et al., op. cit., p. 34.
[21] Nixon, op. cit.
[22] Interim report of the Special Rapporteur on the question of torture and other cruel, inhuman or
degrading treatment or punishment, op. cit. (Ver parágrafos 40, 41, 44, 47-50, 61-65).
[23] Minkowitz, T. (2010). Abolishing mental health laws to comply with the Convention on the Rights of
Persons with Disabilities. In: B. McSherry and P. Weller (Eds.), Rethinking Mental Health Laws.
Oxford: Hart Publishing.
[24] Statistics Canada. (2006). Women in Canada: A gender-based statistical report (5ª edição). Extraído,
em 25/04/2009, de: http://www.statcan.gc.ca/pub/89-503-x/89-503-x2005001-eng.pdf
[25] Waldrop, J., & Stern, S. (2003). Disability status: 2000. Census 2000 Brief. Extraído, em
25/04/2009, de: http://www.census.gov/prod/2003pubs/c2kbr-17.pdf.
[26] Eide, A.H., & Kamaleri, Y. (2009, January). Living condition among people with disabilities in
Mozambique: A national representative study. SINTEF Health Research.
[27] Barriga, S.R., & Kwon, S.R. (2010). As if we weren't human: Discrimination and violence against
women with disabilities in Northern Uganda. Human Rights Watch. Extraído, em 10/02/2011, de:
http://www.hrw.org/node/92611
13
[28] Saxton, M., Curry, M.A., Powers, L., Maley, S., Eckels, K., & Gross, J. (2001). Bring my scooter so
I can leave you: A study of disabled women handling abuse by personal assistance providers.
Violence Against Women, 7(4), 393-417.
[29] Women with Disabilities Australia. (2004). Valuing South Australia's women: Towards a women's
safety strategy for South Australia. Submetido ao South Australian Government's Discussion Paper.
Canberra: WWDA. Extraído, em 13/02/2011, de: http://www.wwda.org.au/saviolsub.htm#three
[30] Saxton, et. al., op. cit.
[31] Young, et. al., op. cit.
[32] Traustadottir, R. (1990). Women with disabilities: The double discrimination. Syracuse, NY: Center
on Human Policy, conforme citado em: Waxman Fiduccia, B.F., & Wolfe, L.R. (1999). Violence
against disabled women. Center for Women Policy Studies. Extraído, em 25/03/2011, de:
http://www.centerwomenpolicy.org/pdfs/VAW5.pdf
[33] Burstow, B. (2006). Electroshock as a form of violence against women. Violence Against Women,
12(4), 372-392.
[34] Burstow, B. (2006). Understanding and ending ECT: A feminist perspective. Canadian Woman
Studies, 25(1,2), 115-123.
[35] Women with Disabilities Australia (2004), op. cit.
[36] Ibid.
[37] Interim report of the Special Rapporteur on the question of torture and other cruel, inhuman or
degrading treatment or punishment, op. cit.
[38] Ver, por exemplo: Andrews, A.B., & Veronen, L.J. (1993). Sexual assault and people with
disabilities. Journal of Social Work and Human Sexuality, 8, 137-159, conforme citado em: Women
With Disabilities Australia, 2004.
[39] Meninas, mulheres idosas e mulheres indígenas com deficiência enfrentam barreiras e violência
adidionais em consequência das formas de discriminação ainda mais complexas, que estão além do
escopo deste relatório.
Tornei este relatório acessível por conta das informações importantes sobre a violência contra as mulheres com deficiência. Este documento oficial é em PDF o que dificulta o acesso as pessoas cegas.
Documento oficial:http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/violencia_mulheres_deficiencia.pdf