quarta-feira, 1 de julho de 2015

Projeto sobre humanização do parto é discutido na Assembleia.

Wyllis afirma que parto humanizado é luta pela autonomia do corpo. Foto:  Antonio Paz/JC


Pela proposta que está em tramitação, índice de cesarianas não poderá exceder 15% 
Jornal do Comércio RS, por Jessica Gustafson – 

O teatro Dante Barone da Assembleia Legislativa, na Capital, ficou lotado, na tarde de ontem, durante audiência pública sobre o parto humanizado, tendo como foco o Projeto de Lei 7.633/2014, do deputado federal Jean Wyllys (P-Sol-RJ), em tramitação na Câmara dos Deputados. De acordo com o texto, toda gestante tem direito à assistência humanizada durante a gestação, pré-parto, parto e puerpério, incluindo situação de aborto, seja este espontâneo ou provocado, na rede de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e em estabelecimento privado de saúde suplementar. O debate foi requerido pela deputada estadual Manuela d’Ávila (PCdoB).

Entre as justificativas do dispositivo, está uma pesquisa divulgada pela Fundação Perseu Abramo, revelando que 25% das mulheres entrevistadas sofreram algum tipo de agressão durante a gestação, em consultas pré-natais ou durante o parto. Assim, pela proposta, médicos e demais profissionais de saúde deverão dar prioridade à assistência humanizada no nascimento, e o índice de cesarianas não poderá exceder 15% dos partos.

Entende-se como assistência humanizada as práticas que já são recomendadas por normativas tanto do Ministério da Saúde quanto da Organização Mundial da Saúde, como a mínima interferência por parte da equipe de saúde; a preferência pela utilização dos métodos menos invasivos e mais naturais, de escolha da parturiente; o fornecimento de informações adequadas e completas à mulher, assim como ao acompanhante, referente a métodos e procedimentos disponíveis no atendimento à gestação, pré-parto, parto e puerpério; e a harmonização entre segurança e bem-estar da mulher.

Jean Wyllys relatou que tem recebido muitas críticas por este trabalho, principalmente de médicos. De acordo com ele, a ideia de construir o projeto partiu de uma iniciativa da Artemis, ONG que atua na promoção da autonomia feminina e erradicação da violência contra a mulher. “As diretoras me procuraram e falaram sobre a importância de tratar desse assunto. Disseram que me escolheram pela minha luta nos direitos humanos e sexuais e que o parto humanizado está dentro deste campo. Também falaram que é preciso coragem para tratar do tema, porque envolve lucro, e as pessoas não abrirão mão tranquilamente. Como já sou inimigo dos ‘humanos direitos’, que não são tão direitos assim, decidi fazer”, diz.

Segundo Wyllys, a discussão sobre parto humanizado está inserida dentro de uma situação em que as mulheres ainda são vítimas de uma série de violências, entre elas a obstétrica, que se refere à realização de procedimentos contrários à autonomia de escolha das gestantes, além de casos já relatados de xingamentos e até agressões. “Essa é uma pauta que vem junto com a luta das mulheres de autonomia sobre o seu corpo”, ressalta.

Um dos grandes focos da humanização diz respeito à priorização do parto natural. No Brasil, cerca de 57% dos nascimentos acontecem por cesariana. No Rio Grande do Sul, o percentual é ainda maior, de 63%, sendo o 5º estado com maior número de procedimentos do País. A coordenadora de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, Maria Esther Vilela, foi firme ao afirmar que o Brasil precisa ouvir as mulheres e suas reivindicações. “Nós, mulheres, sempre lutamos pelas nossas conquistas. De quem é o parto? Respondo sem pestanejar: é da mulher. Há pelo menos 20 anos já se fala no mundo de práticas que precisam ser abolidas, mas que continuam sendo ensinadas nas faculdades. O parto normal que é feito hoje, não é mais normal”, critica. De acordo com ela, o parto seguro é o parto humanizado, e não o contrário, como alguns médicos dizem.
Entidades médicas falam em riscos e criticam nascimentos fora de hospitais

Duas entidades da área médica estiveram presentes na audiência e se posicionaram de forma reticente sobre o projeto do deputado Jean Wyllys. Sob vaias da plateia, composta principalmente por mulheres, Gustavo Steibel, representando a Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Rio Grande do Sul, afirmou que a instituição não levou posições políticas para o debate e que é favor do parto normal. Entretanto, disse que os itens contidos no texto pouco acrescentariam na rotina de trabalho e ainda poderiam colocar a vida das mulheres em risco. “O projeto faz apologia ao parto domiciliar. Consideramos que é mais fácil transformar um hospital em um local acolhedor do que uma casa em um espaço seguro. Nós, médicos, estamos ao lado das pacientes e respeitamos a sua autonomia”, garantiu.

De acordo com ele, as práticas abusivas envergonham a categoria e devem ser combatidas. Porém, disse que o grande problema vivido hoje faz parte de um sistema de saúde falho, que possui hospitais sucateados e equipes desfalcadas. “É preciso que se construa um projeto adequado com a nossa realidade”, completou.

Roberto de Morais, membro da Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia do Conselho Federal de Medicina (CFM), argumentou que a questão da autonomia é uma via de duas mãos, pois existe a da paciente e a dos profissionais, que muitas vezes fazem escolhas cruciais para a vida das gestantes e dos bebês. “Parabenizo o Jean pela iniciativa. O CFM apoia estas medidas, mas tem algumas discordâncias ao projeto. Apoiamos a presença das doulas durante o parto e estimulamos que ele seja normal. Só não concordamos com o domiciliar, que aumenta muito o risco neonatal”, diz.

Segundo Morais, o Brasil ainda precisa reduzir a mortalidade materna, que permanece alta, mesmo com 98% dos partos sendo realizados em hospitais. “Nós não atingimos os objetivos firmados com a ONU e estamos reduzindo o índice muito lentamente. Isso quer dizer que nossos serviços não são bons. Nossos esforços têm que ser por esta diminuição de mortes”, considerou.

Fonte: Jornal do Comércio, publicado em 30/06/2015.