terça-feira, 1 de setembro de 2015

Relatório Lilás- Mulheres com Deficiência e a Violência de gênero- Igualdade e Inclusão

     
Da esquerda para a direita: Fernanda Vicari, Edgar Pretto da Frente Parlamentar dos Homens pelo Fim da Violência Contra as Mulheres e Elisandra Santos com o livro na mão.
                                            
Por: Elisandra Carolina dos Santos

                                      Resumo





Mulheres com deficiência constituem parcela significativa da população brasileira, com demandas especificas de cidadania. Mobilizações recentes apontam a diversidade entre as mulheres com deficiência, o que deve ser observado na elaboração das políticas públicas. As desigualdades de gênero, cruzadas com deficiência, tornam este segmento feminino mais vulnerável ás violência e discriminações, e por conseguinte, ás violações de direitos humanos



Palavra-chave: gênero; deficiência; vulnerabilidade.


26 Carol Santos, também conhecida como Carol Acessibilidade, é ativista do movimento de mulheres com deficiência, coordena a política do Coletivo Feminino Plural para esse segmento.


Violência de gênero é uma das mais graves formas de discriminação às mulheres. No Brasil, desde 2006 a lei Maria da Penha, que trata da violência doméstica e familiar, prevê formas de prevenir, punir e erradicar este problema, prevendo pena aumentada em um terço caso a vítima seja mulher com deficiência.


Desde 2013, a Lei 12845/2013 trata da atenção à violência sexual. O Brasil é signatário da Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência (ONU) desde 20009, pelo Decreto 6949/20009, que resultou de uma longa luta por parte dos movimentos de todo o mundo. " Nada sobre nós sem nós" tem sido um importante lema desse movimento que exige á inclusão na cidadania e nos direitos.

Segundo essa Convenção, " pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Esse documento internacional, que embasa o plano nacional denominado "Viver sem Limites"27, reconhece que mulheres e meninas com deficiência estão frequentemente expostas a maiores riscos, tanto no lar como fora dele, de sofrer violência, lesões ou abusos, descaso ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração; e ressalta a necessidade de incorporar a perspectiva de gênero aos esforças para promover o pleno exercício dos direitos humanos e liberdades fundamentais por parte das pessoas com deficiência.

27 www.pessoacomdeficiência.gov.br

A violência de gênero atinge indistintamente as mulheres em nossa sociedade. Se considerarmos quais violências simbólicas na mídia, nos programas de entretenimento e na publicidade entra em nossas casas pele teve, jornais, outdoors ou nas piadas, no humor, é possível dizer que todas nós estamos expostas à violência e podemos em algum momento da vida passar por discriminações, preconceitos e violações diversas.

Para as mulheres, a violência de gênero é a causa da própria deficiência, tanto da violência de gênero , machista, como é o meu caso ou da violência urbana, tiros perdidos, acidentes, etc. Mas pode ser também a vivência daquelas que já tem a deficiência ou com ela nasceram, em razão das discriminações e desigualdade e pela vulnerabilidade que se estabelece por nossa condição, e por vivermos numa sociedade patriarcal. No nosso caso, a ideologia disseminada na sociedade que tem como base o padrão de "normalidade" como único aceito e valorizado, alimenta uma dupla violação dos direitos humanos.

Segundo o IBGE28, as pessoas com algum tipo de deficiência no Brasil correspondem 23,92 da população, somando 45,6 milhões. Metade dessa população , em torno de 22,8 milhões são mulheres, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE-2010). Portanto, um expressivo contingente de cidadãs que além de enfrentarem as desigualdades de gênero e cidadania em razão da deficiência. Felizmente essa situação começa a ser denunciada, transformada numa agenda de lutas próprias mulheres com deficiência e do movimento de mulheres e feministas. Seminários, encontros, oficinas tem elaborado propostas que estão sendo encaminhadas para os órgãos públicos para serem objeto das políticas governamentais. Não queremos ser tratadas como vítimas, mas como sujeitas de direitos capazes de tomar nossas pr´prias decisões.

28 htpp://www.pessoacomdeficiência.gov.br/app/indicadores/censo-2010


No entanto, há muito por fazer, pois é preciso conhecer quem somos para nos incluir nas políticas, qualificar os serviços e questionar os padrões culturais na sociedade. As mulheres com deficiência não são uma massa genérica, mas um segmento especifico entre as mulheres, diverso internamente, mas tendo em comum a vivência do gênero feminino. É necessário um olhar também especifico para assegurar esses direitos e a cidadania.


Da mesma forma que a violência de gênero constitui uma ameaça a todas as mulheres, mas acordo com seu grau de vulnerabilidade predispões a maior ou menor risco, também entre mulheres com deficiência, pode definir níveis diferenciados de exposição. As diferentes deficiências- física, auditiva, visual e cognitiva- se somam aquelas diversidades vão resultar em mulheres e meninas diferentes entre si.


Mulheres com deficiência cognitiva, embora a escassez de estudos e pesquisas são um campo em aberto para maior compreensão de problema e a formulação das políticas públicas. A Unicef, segundo menciona Cintra(2008) estima que uma em cada dez mulheres no mundo é vítima de estrupo ao menos uma vez na vida. No caso das mulheres com deficiência, esse numero sobe para 3 em cada dez. Essa maior prevalência estaria assentada no desvalor social e na ideia de que a palavra das pessoas com deficiência tem menor credibilidade ao testemunhar em seu próprio favor.


O texto base III Conferência Nacional das Pessoas com Deficiência (2012)29 lista os tipos de violência cometidos, sendo importante estarmos atentas a eles: isolamento forçado, confinamento e ocultação dentro de casa da pópria família, a aplicação de drogas na comida; a institucionalização forçada e coercitiva; contenção e isolamento em instituições, criação de situações pretextadas para fazer a mulher parecer violenta ou incompetente a fim de justificar sua institucionalização e privação da capacidade legal.

29 http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/arquivos/%5Bfield_genereco_imagens-filefield-description%5D_4pdf


São muitos graves estas situações, que incluem ainda o forjamento de rótulos de raiva e autodeclaração das mulheres como um comportamento de" pessoas com transtorno mental e perigosas" (especialmente se a mulher já foi internada em hospital psiquiátricos); a negação das necessidades e negligência intencional; a retenção de aparelhos de mobilidade, equipamentos de comunicação ou medicação que a mulher toma voluntariamente; as ameaças para negligenciar ou cancelar apoios ou animais assistentes; a colocação de mulheres em desconforto físico ou em situações constrangedoras por longo período de tempo; ameaças de abandono cometidas por cuidadores e violações de privacidade.


A violência sexual tem sido uma experiência de muitas mulheres com deficiência, três vezes maior do que das mulheres em geral. Estrupo e abuso sexual cometidos por membro da equipe ou por paciente internado em instituições; a restrição; desnudamento e confinamento solitário que replica o trauma do estrupo; aborto forçado; e esterilização forçada.


Tendo em vista que mulheres com deficiência estão lutando pelos seus direitos participando de conferências nacionais e lutando pela implementação da Convenção Internacionais sobre Direitos das Pessoas com Deficiência e de políticas nacionais e locais, há um novo patamar de onde falamos, que é o da cidadania e direitos humanos.


Nessa perspectiva, as mulheres com deficiência do Rio Grande do Sul buscam fortalecer uma estratégia conjunta de ação, em parceria com o movimento de mulheres. Queremos caminhar juntas e apresentar a toda a sociedade nossa posição sobre todos os temas que nos dizem respeitos, em especial aqueles que nos afetam pelo pertencimento ao gênero feminino e por vivermos uma condição particular.


Falando concretamente, é preciso pensar que cada política pública nas áreas da saúde, trabalho, assistência, esteja qualificada para oferecer a atenção adequada.Por exemplo, como assegurar que uma com deficiência, de filho menor, pode acompanhar seu/sua filho/a na internação hospitalar se não há vagas adaptadas para acompanhantes com deficiência?


Como assegurar a privacidade no atendimento na Delegacia da Mulher sem que haja um balção rebaixado, uma sala adaptada, tradutores e intérpretes em Libras? E quando se deixará de ouvir profissionais a admitir a essas mulheres que não sabem lidar com sua saúde sexual e reprodutiva?


E especificamente em relação á violência de gênero, as mulheres com deficiência vem elaborando um conjunto de propostas30, com base na aplicação da Lei Maria da Penha e nas políticas de enfrentamento, entre as quais se destacam-se:

30 O itens destacados constam da Carta das Mulheres com Deficiência elaborada para ser entregue ao Governo Estadual em agosto de 2014.


  • Incluir a transversalidade da temática das mulheres com deficiência nas agendas de todas as políticas públicas das diversas secretarias estaduais e municipais, em especial de educação, saúde, assistência social, trabalho, entre outras;
  • Capacitar agentes do serviço público (executivo, legislativo, judiciário, MP) para prestar atendimento adequado a mulheres com deficiência nas mais diversas áreas, mas em especial na área da saúde e violência, para que atuem de forma humanizada no atendimento às mulheres com deficiência.
  • Consolidar e fortalecer as redes de atendimento da política pública para mulheres com o recorte gênero e deficiência, adaptando e tornando plenamente acessíveis todos os equipamentos para atendimento às mulheres em situação de violência (centros de referencia, delegacias, casas abrigo, juizados) de forma a assegurar acesso e privacidade nesses locais.
  • Garantir e divulgar levantamentos de dados sobre violência contra as mulheres com deficiência junto aos juizados especializados, que devem ser ampliados na perspectiva na inclusão.
  • Incluir no formulário do Boletim de Ocorrência o item “deficiência”. 
  • Difundir a Lei Maria da Penha na rede de ensino, garantindo os formatos acessíveis e fortalecendo a cultura de respeito entre os gêneros e a diversidade entre as pessoas.


Sabemos que são necessários profundas mudanças culturais para dar fim aos preconceitos em nossa sociedade. Tanto a desigualdade entre homens e mulheres como entre pessoas que não se enquadram nos padrões considerados"normais" só podem ser vencidos com o respeito, a inclusão de todas as pessoas na cidadania ativa. Respeito, intolerância, vigilância para o cumprimento dos direitos mais simples aos mais complexos. 


Por acreditarmos na universalidade dos direitos humanos, afirmamos que os direitos só serão de fato humanos se as mulheres estiverem incluídas, e entre essas estamos nós , mulheres com deficiência



CINTRA, Flávia. Mulheres com Deficiência. In: Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência Comentada. SEDH/CORDE,2008.Pag.37


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007/2010/2009/decreto/d6949.htm