terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

MULHERES VÍTIMAS DE AGRESSÃO GANHAM NOVAS PERSPECTIVAS

Na foto vemos duas pessoas lançando e ao lado a atendente entregando os pedidos.

Delegacia da Mulher visa incentivar as vítimas a adentrar o mercado de trabalho sem receios


Lajeado - A descoberta de um novo mundo. É assim que uma moradora da maior cidade do Vale enxerga os seus primeiros passos na caminhada rumo à felicidade. Tudo é novo e desafiador, mas traz a alegria da recompensa ao final do dia. Coisa escassa nos quase 20 anos de casamento, em que a hora de chegar em casa era vista como um momento de terror, assim como o início da manhã.
A única filha que o diga. Passava horas em lágrimas na escola. Não aguentava mais ver o sofrimento da mãe. "Ela (a filha) começou a usar remédios e não conseguia se incluir na turma. Era muito difícil para". Por muitas vezes a mãe viu a morte de perto."Tudo por ciúmes. Ele colocava a faca no meu pescoço, e às vezes trancava minha respiração. Minha filha via tudo. Isso acontecia desde o primeiro ano de casamento."
Nos últimos três anos de relacionamento as coisas pioraram, e sair de casa era um dilema. "Meu marido me chamava de vagabunda na frente dos outros. Dizia que eu só servia para ficar no fogão". A vontade era realmente outra. "Queria sair, trabalhar fora, estudar, mas nada ele deixava. Tinha na minha cabeça que a nossa relação poderia melhorar e continuava com ele mesmo assim". Mas isso não foi o que aconteceu.
Certo dia, a lista de pessoas agredidas na família aumentou. Ver que a filha passaria pela mesma situação não era possível. "Foi a gota d´água. Resolvi dar um basta quando a vi machucada", conta a mãe. Denunciou o marido, que acabou preso. Pediu a separação e resolveu mudar de vida. A chance de dar a reviravolta surgiu num ato simples, mas que antes nunca estava ao alcance desta mulher: arranjar um emprego.
Hoje, mesmo vivendo, ainda, sob a inconveniência dele - que insiste em atrapalhar as oportunidades de trabalho - não desiste e persiste para viver feliz. Hoje, trabalha como atendente e tem uma chefia compreensiva, que dá valor ao seu empenho. "Não vou te dizer que é fácil, pois não é. Antes eu e minha filha tínhamos tudo na mão. Mas nada vale mais do que os momentos de paz que vivemos."





Por uma multidão de sorrisos

A Delegacia da Mulher de Lajeado pretende estimular mais casos de sucesso como este. Em setembro do ano passado, o órgão comandado pela delegada Márcia Bernini iniciou a busca por empresas que pudessem se interessar por esta mão de obra. Até o momento, 23 organizações foram contatadas e se mostraram disponíveis, segundo Márcia, a auxiliar na iniciativa.
"Foram simpáticos e receptivos à ideia", conta a delegada. Nesta primeira fase, menos de dez mulheres receberam as orientações da delegacia quanto às vagas. Porém, com a ajuda da Rede de Atendimento a Mulher, composta também pelo Ministério Público, Poder Judiciário, Brigada Militar, Coordenadoria Municipal de Políticas Públicas para as Mulheres e Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), o órgão pretende ampliar o trabalho em 2015.
A delegada explica que o serviço será mais de incentivo e apoio. "A ideia é somente mostrar as mulheres que existem tais vagas. Dar o auxílio psicológico necessário - já prestado pelo Creas - e incentivá-las para que persistam na busca. Queremos que elas saiam daquele ambiente e se enxerguem. Vejam que são capazes."
As oportunidades não são restritas a serviços gerais e permitem avanços no currículo das mulheres. "Não queremos que elas façam só limpeza. Apresentamos vagas melhores, em empresas grandes, que estão sempre precisando de pessoas novas", enfatiza a delegada. Para isso, a ideia de inseri-las no Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec).


Dependência financeira


Com salários menores, ou sem trabalho, as mulheres agredidas também são vítimas da dependência financeira. Apesar de não possuir números exatos, a delegada Márcia atesta que a maioria delas mantém o relacionamento por este fator. Além disso, a baixa autoestima, causada pelas agressões psicológicas, quando elas são diminuídas, também limitam a caminhada. "Ela acredita naquilo. Enquanto na maioria dos casos é simples se libertar". A clausura, para Márcia, já começa quando a mulher precisa se afastar dos amigos e da família. "Para evitar a violência, ela faz o que ele quer e acaba deixando de exercer os seus direitos como mulher."

A garantia de comprometimento

Gerente de Recursos Humanos de uma das empresas participantes da rede de apoio, Anete Diehl Martins, aprova a iniciativa. Ela acredita que abrir as portas para estas mulheres geraria uma espécie de agradecimento. "Se alguém abrir as portas, dar oportunidades, elas vão ser mais comprometidas". Isto porque, para Anete, a empresa estaria acolhendo a vítima de agressão, que se sente perdida nesta fase. E ela, em troca, se sentiria no dever de fazer um bom serviço.

As interferências do agressor no processo, para a profissional, são comuns e devem ser compreendidas pela empresa. "Enfrentamos este tipo de questão diariamente. Mas faz parte. A empresa tem o papel de amparar e precisa dar um olhar diferenciado neste primeiro momento."

Outras causas

Telia Negrão, coordenadora da organização feminista não governamental Coletivo Feminino Plural, de Porto Alegre, trabalha há 30 anos pelo empoderamento das mulheres. Para ela, iniciativas como a da rede lajeadense são importantes a todo o momento da vida da mulher, antes mesmo que chegue a pontos extremos, como o da agressão. Porém, ela acredita que hoje a questão cultural influi ainda mais nestas questões do que a dependência financeira.



"Quando comecei a ser ativista, o pensamento era de que as agressões estavam relacionadas ao álcool. Depois, partiu-se para a dependência financeira. Só que hoje as mulheres representam 50% da mão de obra no país. Elas sofrem, inclusive, violência patrimonial - são roubadas pelos maridos. Por isso, acreditamos que a cultura ainda é o principal fator que carrega a mulher para a inferioridade."
Ela explica que as políticas públicas ainda não são totalmente eficazes, e até o momento não foram capazes de remover a ideia de que as mulheres precisam se submeter aos homens. "As mulheres precisam se empoderar na sociedade, na área profissional e na família. É isto que o coletivo defende", enfatiza Telia. Para ela, esta realidade será modificada somente com a mudança educacional e cultural da população. "É preciso desmontar esta lógica da desigualdade. Encorajar as mulheres, através de fortes campanhas. Trazer o respeito que elas merecem", projeta.

Em questão

A psicóloga Márcia Werner é especialista em violência doméstica e, por nove anos, em meio a casos contra crianças e adolescentes, acompanhou mulheres nesta situação. Ela fala sobre a dificuldades e benefícios da inserção das vítimas nas empresas:



O Informativo - Como a autoestima da mulher pode ser afetada pela agressão, no momento de se lançar ao mercado de trabalho?

Márcia Werner - A violência doméstica dilacera a autoestima. Em geral, a violência física vem acompanhada da violência psicológica. A segunda é a que mais prejudica a mulher. Quanto mais tempo ela fica submetida à violência, piores são as consequências. Portanto, ao buscar um emprego a mulher pode candidatar-se a um cargo inferior ao que desejaria por crer que não tem capacidade para uma função superior. Na entrevista de emprego ela pode se apresentar insegura e ter dificuldades em mostrar seus talentos e pontos fortes. Além de declinar diante de desafios.

O Informativo - Quais são os principais benefícios obtidos pelas mulheres agredidas ao buscar um emprego?

Márcia Werner - Ela alcança uma identidade: a de trabalhadora. O modelo de sociedade atual valoriza muito o trabalho formal. Estar incluído nesse campo é hoje uma fundamental fonte de valorização para qualquer cidadão. E talvez ainda mais importante para as mulheres vítimas de violência doméstica. Ao perceberem que conseguem conquistar e manter um emprego formal vão adquirindo autoconfiança. Além disso, atingem a independência financeira, autossuficiência, crescimento pessoal e profissional, bem como ampliação do seu círculo de convivência.

O Informativo - Como recuperar a autoestima das mulheres, para além do trabalho?

Márcia Werner - O apoio psicológico é fundamental neste processo para fortalecer a autoconfiança das mulheres. Na nossa região dispomos de diversos serviços públicos e privados, como, por exemplo, o trabalho desenvolvido pelo SAJUR, da Univates oferece suporte psicológico e jurídico. Outra maneira é inserir-se em atividades de apoio social, em diferentes contextos e até mesmo, como muitas vítimas de violência fazem, contribuindo para tirar outras mulheres desta situação.



Crédito da notícia: Carolina Chaves da Silva

Fonte: http://www.informativo.com.br/